Numa Hollywood obcecada com a nostalgia e viciada na fórmula aparentemente segura dos remakes live-action, uma dupla de criadores está a remar contra a maré. Maggie Kang e Chris Appelhans, as mentes por detrás do fenómeno global da Netflix KPop Demon Hunters, têm nas mãos um universo que vale ouro. O seu filme não só esmagou recordes de audiência, como também se perfila como um forte candidato aos Óscares. O próximo passo lógico, segundo o manual de qualquer grande estúdio, seria anunciar um lucrativo remake com atores de carne e osso. A resposta deles? Um rotundo e refrescante “não”.
A sua recusa não é um capricho; é uma defesa apaixonada da sua arte, uma declaração de que certas histórias nascem, vivem e só fazem sentido no reino ilimitado da animação. Numa era em que a Disney transforma os seus clássicos animados numa linha de montagem de remakes, a posição de Kang e Appelhans é mais do que uma decisão de negócios; é uma lição de integridade artística que toda a indústria deveria ouvir.

A alma da animação vive no “impossível”
O argumento central da dupla é simples, mas profundo: a magia de KPop Demon Hunters reside precisamente naquilo que o tornaria ridículo num filme live-action. “Existem tantos elementos de tom e de comédia que pertencem à animação”, explicou Kang à BBC. “É difícil imaginar estas personagens num mundo live-action, ficaria demasiado preso à realidade. Perdia-se completamente o espírito da coisa.”
Chris Appelhans vai mais longe, explicando que a própria essência das suas personagens seria traída. “Uma das grandes virtudes da animação é poder criar personagens com atributos impossíveis”, afirma. Ele usa o exemplo da protagonista, Rumi, que “pode ser uma comediante desajeitada num segundo, cantar no outro e logo a seguir, dar um pontapé em rotativa antes de cair do céu”. É esta fluidez expressiva, esta capacidade de esticar e dobrar as leis da física e da lógica para servir a emoção e a comédia, que seria sacrificada no altar do realismo.
A dupla aponta, e bem, para o cemitério de adaptações falhadas de animes para live-action como prova do seu ponto de vista. “Quase sempre o resultado fica preso, sem alma”, conclui Appelhans. É um sentimento que ecoa na mente de muitos fãs que viram as suas obras de animação preferidas serem despidas da sua identidade visual única para se tornarem projetos de CGI desajeitados e sem o encanto do original. [Imagem de uma cena de KPop Demon Hunters]
Uma lição silenciosa para a Disney e para Hollywood
A posição de Kang e Appelhans torna-se ainda mais significativa quando a colocamos em contraste direto com a estratégia da Disney. Enquanto o gigante do entretenimento continua a sua busca incessante por recriar os seus clássicos, muitas vezes com resultados que dividem a crítica e os fãs, os criadores de KPop Demon Hunters parecem compreender algo fundamental: a animação não é um rascunho para um filme “real”; é o meio final e perfeito para certas histórias.
Muitos destes remakes live-action acabam por depender tanto de efeitos visuais para recriar a magia do original que se tornam, ironicamente, menos “reais” e expressivos do que os desenhos que os inspiraram. Ao recusar seguir esta maré, Kang e Appelhans estão a defender a animação como uma forma de arte autónoma e insubstituível.
O futuro? Mais animação, mais histórias que valem a pena
Apesar de fecharem a porta ao live-action, os criadores estão longe de querer abandonar o seu universo. “Nada oficial que possamos revelar”, admite Kang, “mas há muito mais para fazer com estas personagens e com este mundo”. A promessa que deixam, no entanto, é o que mais entusiasma os fãs: “O que quer que venha a seguir, será uma história que merece ser contada e que nós próprios queiramos ver.”
Esta mentalidade, focada na qualidade da história em vez do lucro fácil, é o que lhes valeu o aclame da crítica e o amor do público. Com o filme a ser apontado como um forte candidato aos Óscares de Melhor Filme de Animação e Melhor Canção Original, a sua abordagem artística está a ser validada ao mais alto nível.
No final do dia, a vitória para eles não está nos prémios ou nos potenciais lucros de um remake. Como Kang afirma, “ver as pessoas ligarem-se emocionalmente a este filme já é uma vitória.” Numa indústria muitas vezes cínica, a paixão dos criadores de KPop Demon Hunters pela sua arte é um lembrete poderoso de que, por vezes, a melhor decisão de negócios é proteger a magia.



























Deixa um comentário