O inferno congelou: Google e Epic selam a paz e reescrevem as regras da Play Store

Numa das reviravoltas mais chocantes da história recente da tecnologia, os dois maiores inimigos do universo Android acabam de dar as mãos. A Google e a Epic Games, empresas que travaram uma batalha legal amarga e que parecia interminável sobre as comissões da Play Store, anunciaram que submeteram uma proposta conjunta ao tribunal. Sim, leste bem: conjunta. A guerra acabou, e quem parece ter ganho foram os programadores.

A notícia, partilhada por executivos de ambas as empresas, assinala uma capitulação sísmica por parte da Google e uma vitória retumbante para Tim Sweeney, o CEO da Epic Games. As mudanças propostas não são um pequeno ajuste; são uma reforma fundamental que irá alterar a forma como o dinheiro circula no ecossistema Android e que coloca uma pressão imensa sobre a Apple, que agora fica isolada na sua torre de marfim.

Google Epic Games

O “rei rebelde” canta vitória (e aponta a sua mira para a Apple)

A prova mais clara de quem venceu esta guerra vem da reação do próprio Tim Sweeney. O homem que gastou milhões e arriscou o seu negócio para lutar contra o que chamava de “monopólio tirânico” da Google, foi à rede social X e descreveu a proposta da sua antiga rival como “fantástica” (awesome).

Numa jogada de mestre, Sweeney usou imediatamente esta vitória para atacar o seu outro grande inimigo. Afirmou que a abordagem da Google é o “oposto direto da Apple”, elogiando a gigante das pesquisas por se abrir à concorrência, enquanto pintava a empresa de Cupertino como a verdadeira e única vilã. Na prática, a Google foi forçada a ceder, e Sweeney, tendo conseguido o que queria, aceitou a sua rendição e usou-a como uma arma contra o seu próximo alvo.

O que é que os programadores ganham com esta paz?

A proposta conjunta é, na sua essência, a concretização de tudo aquilo por que a Epic lutava. O “imposto de 30%” da Google, que durante anos foi a regra de ouro inquebrável, está oficialmente morto para quem não o quiser pagar.

As duas grandes mudanças são:

  1. Liberdade total de pagamentos: Os programadores passam a ter liberdade para usar os seus próprios métodos de pagamento dentro das aplicações, e podem até incluir links diretos para os seus websites para que os utilizadores paguem por fora.
  2. Uma “taxa de serviço” reduzida: Claro que esta liberdade não seria totalmente gratuita. Se uma aplicação estiver na Play Store mas usar o seu próprio sistema de pagamentos, terá ainda de pagar uma “taxa de serviço” à Google. Mas em vez dos 30% (ou 15%), essa taxa será de apenas 9% ou 20%.

Esta é uma mudança colossal. É um reconhecimento por parte da Google de que não pode continuar a forçar todos a usar o seu sistema de pagamentos e a reter uma comissão tão elevada.

A rendição da Google disfarçada de “escolha”

Do lado da Google, a narrativa é, como seria de esperar, mais controlada. Sameer Samat, o Presidente do Ecossistema Android, tentou pintar a decisão como um ato de boa vontade, afirmando que as mudanças “se focam em expandir a escolha e a flexibilidade do programador”.

A realidade é menos cor-de-rosa. A Google está a fazer isto porque foi legalmente obrigada. Após anos de processos judiciais e uma pressão regulatória crescente, esta proposta é a sua forma de se render, mas nos seus próprios termos, antes que um tribunal a obrigasse a fazer algo ainda mais drástico. Esta proposta também parece ser a solução para as recentes e controversas políticas da Google que, segundo os críticos, poderiam “matar o sideloading”. O apoio entusiástico de Sweeney sugere que este novo acordo protege as lojas de aplicações de terceiros e a instalação de apps fora da Play Store.

Agora, a bola está do lado do juiz Donato, que terá de aprovar ou rejeitar este acordo de paz. Mas com ambas as partes em total sintonia, a aprovação é quase uma formalidade. A guerra entre a Epic e a Google terminou, mudando para sempre o equilíbrio de poder no Android. E Tim Sweeney já virou os seus canhões para o seu próximo objetivo: o castelo da Apple.

Amante de tecnologia, desporto, música e muito mais coisas que não cabem em 24 horas. Fundador do AndroidBlog em 2011 e autor no Techenet desde 2012.