A Google acaba de carregar no botão de autodestruição de uma das suas promessas mais ambiciosas e, para muitos, mais hipócritas: a de um futuro mais privado na internet. A empresa anunciou oficialmente o fim da Privacy Sandbox, o seu complexo e controverso projeto de seis anos que visava substituir os infames cookies de terceiros. A consequência é brutalmente simples: o “Monstro das Bolachas”, a tecnologia que permite que sejas seguido por toda a web para te mostrar anúncios personalizados, não só está de volta, como na verdade, nunca esteve realmente em perigo de desaparecer.
Esta é a história de uma rendição. Numa altura em que rivais como a Apple e a Microsoft usam a privacidade como uma arma de arremesso contra o Chrome, a Google tentou vender ao mundo a imagem de que estava a liderar a mudança para uma web mais ética. Agora, a máscara caiu. A empresa admite a derrota do seu próprio plano, provando que, no eterno conflito entre a privacidade do utilizador e os milhares de milhões do mercado publicitário, o dinheiro continua a ser o rei indiscutível.
A ascensão e queda do herói improvável: a Privacy Sandbox
Lembras-te da promessa? Em 2019, sob uma pressão crescente de reguladores e de uma opinião pública cada vez mais consciente da vigilância digital, a Google anunciou um plano audacioso: iria matar os cookies de terceiros no Chrome. Foi uma declaração sísmica, vinda da maior empresa de publicidade do mundo.
No lugar dos cookies, nasceria um herói improvável: a Privacy Sandbox. A ideia, no papel, era genial. Em vez de teres “espiões” a seguir cada passo que davas online e a enviar essa informação para servidores de terceiros, o teu próprio navegador e dispositivo fariam o trabalho pesado. O teu telemóvel analisaria os teus interesses de forma local e anónima e diria aos anunciantes: “este utilizador gosta de carros”, sem nunca revelar quem eras ou que outros sites tinhas visitado. Era a utopia da publicidade: anúncios relevantes, sem a perseguição.
Mas a utopia era tecnicamente um pesadelo e, mais importante, uma ameaça ao modelo de negócio que sustenta grande parte da internet. A indústria publicitária nunca abraçou verdadeiramente a ideia. E a Google, que depende dessa mesma indústria, começou a vacilar. Primeiro, adiou o fim dos cookies. Agora, acaba de dar o golpe de misericórdia, não nos cookies, mas na sua própria alternativa.

A desculpa oficial vs. a verdade inconveniente
A justificação oficial da Google para matar um projeto de seis anos é tão vaga quanto reveladora: “baixos níveis de adoção” e feedback de que a tecnologia não estava a “fornecer valor suficiente”. É uma forma corporativa e polida de dizer o que todos já suspeitavam: o sistema não funcionava para os anunciantes e, por isso, não funcionava para a Google.
A verdade inconveniente é que o modelo de negócio da publicidade digital, tal como o conhecemos, prospera com base em dados granulares e no rastreamento individual. A Privacy Sandbox, ao tentar anonimizar e agregar esses dados, era inerentemente menos precisa e, portanto, menos lucrativa. Os anunciantes não a queriam, os programadores não a adotaram, e a Google, confrontada com a escolha entre defender um ideal de privacidade ou proteger a sua principal fonte de receita, escolheu o caminho do dinheiro.
Um gigante imune às críticas?
A ironia de toda esta situação é esmagadora. Durante anos, a Apple tem bombardeado os consumidores com anúncios que retratam os utilizadores de Chrome como alvos fáceis de vigilância, em contraste com a fortaleza de privacidade que é o seu navegador Safari. A Microsoft faz o mesmo, tentando convencer os utilizadores de Windows de que o Edge é uma alternativa mais segura.
E qual foi o impacto de tudo isto? Praticamente nulo. O Chrome continua a ser o rei absoluto e incontestado do mundo dos navegadores, com uma quota de mercado superior a 70%, tanto em computadores como em telemóveis. Esta rendição no campo da privacidade, muito provavelmente, não fará qualquer mossa na sua popularidade. Para a grande maioria dos utilizadores, a conveniência, a velocidade e a integração com o ecossistema Google superam largamente as preocupações abstratas sobre cookies e rastreamento.
O verdadeiro perigo para o domínio do Chrome pode não vir dos seus rivais tradicionais, mas sim de uma nova e disruptiva geração de navegadores alimentados por IA, como o Comet da Perplexity ou o muito aguardado navegador da OpenAI. Estes prometem uma forma totalmente nova de interagir com a web, e podem ser a primeira ameaça real que o império do Chrome enfrenta em mais de uma década.
Por agora, no entanto, a mensagem para os utilizadores do Chrome é clara. A promessa de uma internet onde não és o produto foi adiada indefinidamente. O Monstro das Bolachas está à solta, com a bênção do seu próprio criador.

























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